Só sei que nada sei
Para se destacar na área de TI, não basta entender tudo de programação, muito menos passar a vida em um CPD. Saiba o que você precisa conhecer sobre o mercado
Por Alexandre Carvalho
Que tal uma rápida volta ao passado? Durante a adolescência, época em que a vida de qualquer pessoa sofre constantes transformações, você finalmente decide que irá seguir carreira na área de tecnologia. A partir daí, você mal vê a hora de ingressar numa faculdade e colocar seu sonho em prática, não é mesmo?
Até então, tudo o que você sabe sobre a profissão que escolheu não passa daquele estereótipo bastante conhecido entre os leigos: um indivíduo sentado à frente de um computador, trancado em um CPD, sem nenhum contato com o mundo externo, programando sem parar.
Claro que esse é um exemplo hipotético. Nem todo mundo teve essa visão quando decidiu seguir carreira em TI, mas certamente conhece ou já conheceu alguém que passou por situação semelhante e, logo após ter ingressado em uma faculdade ou ter conseguido o primeiro estágio, percebeu que o mercado é bem mais amplo e exige cada vez mais de qualquer profissional.
Amadurecimento
Hoje, o profissional de tecnologia (ou informática, como você preferir) amadureceu e sua atuação está a léguas de distância da que lhe era atribuída há alguns anos. Mesmo assim, muitos profissionais que hoje se destacam no mercado reconhecem que, no início, tiveram uma visão bem limitada sobre o que era, de fato, trabalhar com tecnologia.
Como resultado disso, não são raros os casos em que jovens profissionais são pegos de surpresa por não estarem preparados para uma realidade que envolve não só bits e bytes, mas também um amplo conhecimento de gestão, vendas, entre outras coisas. O gerente de produto da First Tech Tecnologia, Leandro Garcia, foi um deles.
- Decidi trabalhar nessa área porque ela era considerada promissora, onde se dizia que um profissional técnico conseguia se colocar rapidamente no mercado. Na época, apesar de dar aulas de microinformática, eu tinha uma visão muito superficial do que iria encontrar no mercado – diz o gerente.
Causas e conseqüências
Segundo ele, o fato de não ter ninguém na família trabalhando na área contribuiu para isso, e que o conhecimento adquirido sobre os meandros do mercado de TI veio por parte dos colegas de faculdade e de sua própria experiência como profissional. Mas ele lembra que nem sempre acontece dessa forma.
- Ingressei no mercado em meu segundo ano de faculdade, aqui mesmo, pela First Tech, mas tenho vários colegas que só fazem a faculdade e têm uma visão muito fechada sobre o mercado. Mas vejo muita gente correndo atrás, se informando, desde o início – ressalta Leandro Garcia.
Vale lembrar que a evolução pela qual o mercado passou nos últimos anos não elimina a importância do conhecimento técnico. No entanto, só isso não basta, e é necessário que, desde cedo, o profissional adquira uma postura corporativa, com o intuito de, no futuro, ajudá-lo a se adaptar rapidamente aos novos modelos de gestão das empresas e, assim, prepará-lo para as constantes transformações que hoje fazem parte desse mercado.
Só sei que nada sei
Uma das principais queixas dos profissionais que atuam em TI é que as instituições de ensino, na maioria das vezes, não fornecem um contato adequado entre os alunos e a realidade nas empresas.
- Os professores, com algumas exceções, são muito fechados e dedicados ao mundo acadêmico. Eles te ensinam a desenvolver um software, mas se esquecem dos processos burocráticos das empresas que estão envolvidos nisso, as políticas internas de cada uma – reclama o gerente de Tecnologia do portal Comunique-se, Gustavo Araujo.
Ele é outro exemplo de quem teve de mudar rapidamente a visão que tinha sobre o mercado de tecnologia, quando assumiu responsabilidades que, em outras épocas, não fariam parte do cotidiano de um profissional de TI, tais como lidar com clientes e coordenar uma equipe, interagindo com outras pessoas.
O cliente é quem manda
Mas e os programas de incubação de empresas que são oferecidos por diversas instituições de ensino espalhadas pelo Brasil? Não seriam uma alternativa para os estudantes logo que estes ingressam em uma faculdade? Na opinião de Leandro Garcia, da First Tech, as incubadoras até ajudam, mas de forma superficial.
- O problema é que as coisas não são bem esclarecidas para os alunos, tudo é dado muito superficialmente e não há ninguém que dê exemplos sobre o que acontece fora do mundo acadêmico – diz.
Perdendo o medo
Já Gustavo Araujo diz que o profissional de hoje precisa adequar seus conhecimentos em tecnologia aos anseios de quem toma as decisões no mercado, ou seja, os clientes. Muitas vezes, uma mudança como essa gera momentos de insegurança e até arrependimento.
O profissional de TI, normalmente, está sujeito a situações como, por exemplo, sair de casa às quatro horas da manhã para resolver um problema no sistema ou no servidor da empresa. Isto representa uma carga de pressão enorme por parte da chefia.
- Por esse motivo, às vezes dá uma insegurança, porque é um novo horizonte que se abre para o profissional que é técnico e, de repente, se vê inserido em outro ambiente, tendo que abrir sua visão para os negócios. No decorrer do tempo, e à medida em que ele vai obtendo sucessos, isso é superado – lembra Araujo.
Postura de gente grande
Já o engenheiro de Sistemas da Mtel Tecnologia, Carlos Rizzo, se adaptou a essa situação justamente por ter se adaptado às cobranças que recebeu ainda na época de estágio. Ele conta que durante a faculdade ainda não tinha uma noção clara sobre que caminho iria escolher em sua carreira.
Rizzo cursava Engenharia Elétrica e depois optou por Engenharia da Computação. Mas, por considerar a faculdade muito abrangente, oferendo muitas opções, sentia-se perdido, sem saber que rumo tomar, embora já soubesse que não queria ficar preso somente à programação.
- Quando fui contratado é que comecei a mudar minha postura em relação ao mercado. Embora não fosse o que eu estava esperando, tive muita coisa para estudar e aprender, pois até então só tinha o conhecimento básico, adquirido no estágio. No final, isso acabou me rendendo uma promoção – lembra.
Só sei que nada sei
Para o gerente-geral de infra-estrutura da Stefanini IT Solutions, Zenos Strazzeri, um profissional só passa a ter outra visão sobre o mercado de TI por intermédio da experiência. Ele explica que isso acontece porque o próprio mercado passou a ter outras exigências, embora, atualmente, muitas faculdades dêem ênfase à administração.
Strazzeri conta que se envolveu com a área de tecnologia somente pelo fato de se sentir atraído pelo caráter técnico desse mercado, que no final dos anos 70 era bastante emergente, levando também em consideração a valorização do profissional com essa especialização e a boa remuneração, para os padrões da época.
- Quando entrei na faculdade, em 1980, a gente não tinha muita noção do mercado, porque ele também não exigia muito, já que a demanda era maior e não havia tanta oferta. A visão que se tinha naquele tempo era a de um profissional bem formado como técnico, que a gente iria se transformar em um bom programador – explica.
Olhe para a frente
Segundo ele, essa figura do profissional que é só programador não existe mais, já que agora o mercado dá margem a outras vertentes e especializações.
- A mudança que eu tive sobre como enxergar o mercado ocorreu em função das opções de carreira que vi na área da informática, descobrindo onde poderia me especializar. Comecei como programador e depois dei uma guinada, passando a atuar em infra-estrutura, que é a área que me dá mais satisfação – garante Strazzeri.
Fazendo a diferença
Na hora de aconselhar aqueles que sonham, um dia, em seguir carreira na área de tecnologia, ou os que estão prestes a ingressar nesse mercado, os profissionais entrevistados para esta reportagem deram opiniões bem parecidas e chegaram a um consenso: quanto mais preparado o profissional estiver para o mercado, melhor.
Zenos Strazzeri, por exemplo, recomenda que, na época de faculdade, deve-se aproveitar muito bem este momento.
- Quando o jovem se encontra em um ciclo normal de sua vida, ele entra muito novo na faculdade, sem saber exatamente o que vai fazer na carreira, e aí acaba não aproveitando o curso direito. É importante que ele entenda bem o que está sendo ensinado, não basta somente tirar boas notas - alerta.
Ele lembra também que é necessário procurar outros universos desde o início da vida acadêmica, com cursos extras e muita leitura, caso contrário, o profissional já sai perdendo muito cedo em termos de competitividade.
Carlos Rizzo, da Mtel, fecha esta reportagem com uma dica importante para quem ainda se considera, digamos, "perdido":
Há órgãos, como o Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), que organizam visitas a empresas de diversas áreas, para que o estudante possa conhecer melhor o mercado onde ele pretende atuar profissionalmente. Isso evita, por exemplo, que ele vá de olhos vendados para o primeiro estágio ou emprego – finaliza.
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