domingo, 3 de outubro de 2010

Treinamento versus Educação Continuada

No que é melhor investir? Para responder a essa pergunta, é preciso conhecer as diferenças entre as duas formas de desenvolvimento profissional

Por Aline Brandão


O treinamento convencional é um velho conhecido das empresas. Trata-se da habilitação em ferramentas e programas específicos, com o objetivo de “apagar os incêndios” – uma solução de curto prazo, para resolver problemas imediatos da empresa, atendendo a demandas pontuais e essencialmente técnicas. Já a educação continuada é um processo mais complexo: ela complementa o aprendizado obtido na graduação, fornecendo ao profissional uma visão mais ampla para o desenvolvimento de seu trabalho.

Diferente do treinamento, que oferece um conhecimento isolado, a educação continuada é mais duradoura e exerce influência maior na formação profissional. De acordo com o Coordenador de Especialização Lato Sensu da PUC-Campinas, Luis Maria Pinto, muitas áreas de conhecimento exigem hoje uma constante atualização.

“A educação continuada oferece um enfoque, seja diretamente na área em que o profissional atue, seja em outras que possam contribuir para o seu trabalho. Quando sai da faculdade, o profissional tem que entrar em contato com áreas diferentes da sua: é o caso do administrador especializado em tecnologia – explica.

Entendendo o que a empresa quer

Ter uma pós-graduação no currículo sempre foi valorizado. Segundo a CAPES (Coordenação de Aprimoramento de Pessoal de Nível Superior), em 2004 havia 1898 programas de pós-graduação no Brasil, sendo 34 em Ciências da Computação. Agora, o mercado está buscando a harmonia entre a educação de longo prazo e o andamento dos negócios. É o caso da empresa de serviços de TI, Unitech. A companhia oferece bolsas de pós-graduação aos funcionários, tem parcerias externas com universidades reconhecidas pelo MEC e, em 2004, inaugurou sua universidade corporativa.

“Com a educação continuada nós buscamos uma visão empreendedora nos profissionais, solidificando sua formação e fazendo com que entendam os objetivos de negócios da empresa de uma forma geral. Isso também fortalece o vínculo dos funcionários com a organização – afirma a Gerente de Desenvolvimento de Pessoas da Unitech, Ana Lúcia Moscon.

Através de uma parceria com a Universidade Salvador, que oferece MBA em Formação de Consultores em TI, a empresa capacita seus funcionários para trabalharem no setor de consultoria. Outros dois programas, realizados em 2005, tinham foco em liderança: o Programa de Desenvolvimento Gerencial e o de Integração Gerencial. A habilitação em ferramentas específicas não foi deixada de lado: o treinamento tradicional é uma das células dentro da universidade corporativa.

Crescendo com a empresa

Nos Estados Unidos, estima-se que o número de universidades corporativas ultrapasse o de universidades tradicionais até 2010. No Brasil, existem hoje cerca de 150 UCs, mas esse número varia de acordo com o critério de avaliação utilizado pelos pesquisadores. A Motorola foi a primeira empresa a ter uma universidade corporativa no país. Essa foi a solução encontrada para o contínuo desenvolvimento do seu capital intelectual - preocupação constante de quem está inserido num mercado onde a inovação é essencial para a competitividade.
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"No modelo atual da instituição, a empresa estabelece o rumo que vai tomar e determina os cursos a partir das habilidades que precisam ser desenvolvidas"

Além do treinamento em ferramentas, o conceito da Motorola University inclui medidas como o reembolso a quem esteja fazendo cursos valorizados em seu setor de trabalho (MBAs, idiomas, entre outros), formação acadêmica dentro da própria empresa (in-company) e programas de rotação de profissionais. Praticamente todos os funcionários participam dos cursos e o desenvolvimento de determinadas competências-chave é obrigatório. Segundo o Diretor de RH da Motorola Brasil, Eduardo Pellegrina, a forma da instituição evoluiu bastante durante sua existência.

“No início os funcionários se inscreviam nos cursos por conta própria, como nas universidades tradicionais. Depois os cursos passaram a ser on-demand, mas ainda faltava uma preocupação estratégica. No modelo atual da instituição, a empresa estabelece o rumo que vai tomar e determina os cursos a partir das habilidades que precisam ser desenvolvidas – explica.

Assim como os treinamentos têm limitações referentes ao nível de aprendizado, a educação continuada também tem seus pontos negativos. Muitas empresas compram “pacotes” de cursos ministrados a todos os funcionários. O problema é que nem sempre o curso é do interesse de todos. Ao estruturar o programa de educação continuada, uma das etapas importantes é definir o perfil dos profissionais, para identificar quais habilidades precisam ser trabalhadas em cada setor da empresa – evitando assim que as atividades sejam “empurradas goela abaixo”.
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"Mas há empresas que entendem que o capital humano é seu ativo mais importante e investem mesmo"

Além disso, como os programas exigem um planejamento maior e visam o desenvolvimento dos profissionais no longo prazo, este método educacional tem um custo muito mais alto que o treinamento em ferramentas. Segundo o Gerente de Consultoria da BearingPoint, Acácio Feliciano Neto, nem sempre há dinheiro para pôr as pessoas em sala de aula.

“No treinamento comum, a companhia paga o curso e acabou. Já a educação continuada precisa de um plano mais longo e às vezes não há orçamento disponível para isso. Mas há empresas que entendem que o capital humano é seu ativo mais importante e investem mesmo – diz.

O investimento em educação na Motorola gira em torno de US$ 1,5 milhão ao ano. Em compensação, graças a isso, um único projeto pode ter redução anual de US$ 100 mil. Para Ana Lúcia Moscon, o retorno da educação continuada não se mede apenas em cifras: a instituição se fortalece, o desenvolvimento dos negócios se torna uma preocupação de todos e os funcionários se sentem mais valorizados.

Nem melhor, nem pior

Mas afinal, o que é melhor: educação continuada ou treinamento? A verdade é que não há melhor ou pior. Os métodos têm objetivos diferentes e não são excludentes, são duas visões que se complementam – o ideal seria utilizar ambos, mas isso nem sempre é possível por causa do orçamento.

“É preciso bom senso e ponderação. As pós-graduações e os cursos longos mantêm a organização e dão sustentabilidade no longo prazo à empresa. Mas ninguém pode pensar em futuro se não sobreviver no presente. Em situações de grandes crises, de déficits absurdos, é preciso privilegiar investimentos na solução imediata de problemas específicos. A escolha vai depender do momento em que a empresa está vivendo – explica Pellegrina.

Uma coisa é certa: o treinamento convencional continua tendo seu valor, especialmente na área de TI - um mercado que exige atualização constante em ferramentas específicas. No entanto, nas matérias Salários em TI e Top cargos em TI foi apontada a crescente necessidade de desenvolver habilidades comportamentais no profissionais técnicos (como liderança e trabalho em equipe) e alinha-los aos negócios. Hoje, dependendo do cargo, uma certificação técnica pode não ser suficiente.

E o que as empresas devem fazer para desenvolver a capacidade de seus profissionais? Para o Diretor de RH da Motorola Brasil, antes de mais nada, é preciso definir o próprio rumo.

“A empresa deve pensar no futuro e traçar seu norte, determinar qual é o seu objetivo máximo. Em função disso - do mercado competitivo e das condições financeiras - se elabora um planejamento estratégico para a educação corporativa, de forma que os profissionais evoluam junto com os negócios – afirma.

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