domingo, 22 de março de 2009

Até que ponto a experiência no exterior é uma vantagem competitiva?

Tatiana Aude

Já deve ter acontecido com você ou com alguém próximo. Estar cursando o último ano da faculdade, juntar-se ao grupo de amigos e começar a especulação sobre o que cada um vai fazer quando passar a formatura. A maioria, geralmente, responde automaticamente que vai procurar emprego. Outros, já empregados, pretendem galgar cargos melhores – e dentro da área – na empresa onde estão. E alguns, que ainda não são a maioria, resolvem se afastar do estresse pós diploma universitário e realizar a tão sonhada viagem para o exterior.

Mas, as viagens não se prendem à idade e nem a fase universitária. As experiências em países estrangeiros podem ser várias, com os mais diversos propósitos: viagens de férias, cursos de um ou mais meses (dentro da área de atuação ou cultural), au pair ou intercâmbio. Seja qual for, quem passou por isso é unânime em afirmar: além de valer muito a pena, é sim uma vantagem competitiva na busca por vaga ou recolocação no mercado de trabalho.

Um exemplo é a história da administradora de empresas Karine Gonçalves Pansa, de 32 anos, que ultrapassou as barreiras geográficas quando era adolescente, com 14 anos. A primeira viagem foi para Soulkston, no sul da Inglaterra, com o objetivo de melhorar a fluência no inglês. Deu tão certo, que ela repetiu a dose apenas dois anos depois, só que desta vez, fez um curso de administração na Flórida International University (FIU).

“As viagens me deram uma bagagem muito grande, não só de fluência na língua estrangeira, mas até em relação à faculdade que ia fazer depois. Me ajudou, inclusive, em relação aos tipos de leituras que precisava fazer. Me abriu muitas portas e me encaminhou na profissão, pois assim que me formei, comecei a trabalhar numa editora de livros que fazia traduções para o inglês”, conta empolgada.

Os conhecimentos adquiridos, no entanto, vão além da área técnica. Para ela, quem passa por uma vivência dessas retorna mais realista e maduro. E a família, que durante o período sente saudades, percebe instantaneamente as mudanças. “Eu lembro que meu pai me deu uma quantia x em dinheiro para eu me manter lá durante os 40 dias. Era o dinheiro para este tempo todo e eu tinha que me virar. Isso fez eu saber administrar onde ia gastar, com o que ia gastar. E me marcou muito, porque foi um dos aspectos que mais amadureci. Afinal, eu tinha apenas 14 anos”.

Atualmente, Karine trabalha na própria editora, a Girassol Brasil, após adquirir experiência no emprego anterior. Ela tem dois filhos, de 2 e 6 anos, e vai indicar este tipo de viagens a eles também, quando crescerem. “Acho importante e vou dar a possibilidades deles fazerem. Mas sem forçar, sem pressão”, esclarece.

Empreendedorismo é outra habilidade que aflora nestas viagens. Quem passa muito tempo longe de casa, dos pais, irmãos e do convívio com pessoas conhecidas e família, precisa tomar decisões sozinhas, em ambiente estranho, com concorrentes e adversários por todos os lados. E não cito adversários apenas como pessoas, mas a cultura que é diferente de país para país.

Luciana Quadros Canassa, hoje diretora da Partners Idiomas, tomou coragem para abrir o próprio negócio assim. Em 1994 trabalhava em uma empresa inglesa com sede no Brasil e assistiu a uma fase de reestruturação em que muitos estrangeiros vinham passar um tempo no país. Precisava melhorar o idioma – embora fosse bilíngue – para melhorar a comunicação, e viajou para Stanford, nos Estados Unidos, onde passou três meses.

“Durante o dia eu ficava na empresa estreitando contatos com as equipes da matriz, e à noite fazia um curso que era semelhante a um supletivo. Foi muito bom, pois quando retornei, já com cinco anos de experiência na minha área, pude pedir o salário que eu queria, e comecei a ganhar R$ 2.630,00 por mês. Há 15 anos era bastante”, afirma.

Depois de Luciana, as duas irmãs dela e os primos também viajaram. Os destinos foram variados: Washington, Irlanda e Japão. E todos melhoraram no emprego. “Uma das minhas irmãs, por exemplo, trabalha na área têxtil. E, quando retornou ao Brasil, se tornou a única funcionária que viaja com a diretoria, justamente por ser a única que tem tanto conhecimento cultural adquirido nessas viagens”.

Auxílio em meio à crise

Com a crise financeira espalhando estragos por vários países, viajar para fora fica mais complicado – por conta do aumento do dólar -, mas, por outro lado, para quem perdeu o emprego, mas sacou o fundo de garantia ou já tinha uma boa reserva em fundos nos bancos, vale a pena investir em capacitação.

“Estamos até diagnosticando um novo perfil de pessoas que buscam a experiência no exterior. Pessoas que perderam o emprego, pegaram o FGTS, as férias, multas, sentem-se perdidos e, para não ficarem parados, lendo notícias de mais e mais demissões, resolvem buscar aperfeiçoamento no exterior. Ainda não sentimos impacto em números, mas acredito que vá crescer a demanda”, afirma a gerente da EF, consultoria especializada em intercâmbio, Sílvia Bizatto.

Quando vale a pena

Analistas de Recursos Humanos são enfáticos em afirmar que a vivência é sim uma vantagem competitiva. Porém, é necessário tomar cuidado. Afinal, mais importante que ir ao exterior e acrescentar a informação ao currículo, é saber se aquela informação acrescenta valor à vaga que está se candidatando. Quem afirma isso e alerta sobre outras ‘armadilhas’ que podem colocar em risco a contratação é Adriana dos Santos Calixto Souza, analista de RH da Catho Online.

“A viagem sempre acrescenta valores, aprendizados culturais e fluência em outro idioma, além de fazer a pessoas se adaptarem melhor às situações. Mas, por exemplo, no caso de dois candidatos estarem empatados na avaliação, e apenas um deles ter a experiência fora, se a vaga não requisitar em momento algum os conhecimentos obtidos no exterior, de nada vai valer. Aliás, contratar o que viveu fora pode ser, para ele mesmo, fator de frustração no futuro. Depende muito da vaga”, declara.

Importante também é ficar atento à proposta da viagem, pois no caso de omissão das informações, o candidato pode ‘dar um tiro no pé’ no momento da entrevista. “Tem pessoas que vão para o exterior sem fazer curso, mas visitam museus, locais históricos, e realmente aprendem muita coisa. Mas tem gente que vai só para passear, ir a festas e acaba aproveitando para colocar a viagem no currículo. Esquece apenas que, se em uma entrevista o recrutador descobre isso pode até ficar com uma imagem ruim do profissional”, esclarece.

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