A difícil tarefa de conciliar trabalho e vida pessoal
Embora ainda reine a mentalidade de que trabalho e vida pessoal não deveriam andar na mesma passada, especialistas afirmam que uma aproximação entre eles é o caminho certo na conquista da qualidade de vida
Por Lilian Burgardt
Entrar no escritório, trabalhar. Ao fim do dia ir para casa, trocar de roupa e viver uma vida plena e feliz é possível apenas, segundo especialistas, para o super-homem, herói que nos gibis consegue manter vida dupla tendo ainda uma identidade secreta. Para os trabalhadores, no entanto, que não contam com superpoderes, conciliar suas atividades profissionais com o tempo livre está longe de ser uma tarefa simples para conquistar o equilíbrio.
Isto porque, há muito tempo, a vida profissional deixou de se resumir a oito horas diárias de trabalho no escritório e passou a exigir dedicação em tempo real. "Hoje o trabalhador não entra às oito da manhã e sai às seis. E mesmo que isso ocorra, ele tem ferramentas como o notebook e o celular que o acompanham onde ele estiver", diz o consultor Carlos Hilsdorf.
Isto significa uma grande mudança, já que, no passado, por mais que ele tivesse pendências para resolver, nada poderia fazer fora do escritório, da fábrica ou em qualquer que fosse seu ambiente de trabalho. Com o avanço da tecnologia, porém, e com o reflexo da globalização, que exige cada vez mais dedicação e empenho dos profissionais, as pendências de trabalho deixaram de pairar como uma névoa para realmente tomar conta da vida das pessoas.
Segundo especialistas, o trabalho interferiu de tal forma na vida do indivíduo que o perfil do profissional mudou. "Antigamente, o velho modelo do taylor-fordismo, cujo princípio prega a separação do planejameno de sua execução, funcionava para toda e qualquer empresa. Hoje não", revela o psicólogo do trabalho da UnB (Universidade de Brasília) Wanderley Codo.
Cada vez mais as empresas exigem do funcionário um novo perfil profissional. "Elas querem mais empenho, engenhosidade, inovação e, sobretudo, criatividade, algo que não é permitido e não se encaixa no taylor-fordismo", explica. Sendo assim, o trabalhador passa a a ser muito mais requisitado, e, em contrapartida, dedica menos tempo a suas atividades de lazer.
Justamente por este motivo, Codo defende que a solução para o equilíbrio é tratar a vida como uma coisa só, sem fazer esta distinção. "O trabalho e o lazer devem caminhar na mesma direção. Cada vez que se fala em vida profissional x vida pessoal automaticamente se cria um desequilíbrio". Além disso, ele ressalta: " A vida não pode ser só trabalho. A descontração é fundamental para o bem-estar psicológico e emocional do indivíduo. À medida que ela começa a diminuir, deve-se buscar uma fusão disto com o trabalho para não ficar na `desvantagem´". (Clique aqui e leia o artigo do professor Wanderley Codo Como escapar da loucura).
Tempo para a saúde
Para Hilsdorf, além de pensar de forma integrada, os profissionais precisam aprender a `se colocar na agenda´ e gerenciar suas atividades de lazer. "Nada impede que o profissional caminhe até o trabalho, ou procure mesclar momentos de lazer enquanto está ligado em seus interesses profissionais". Segundo ele, esta é uma nova concepção que antigamente era rebatida.
"Não adianta brigar contra o relógio e insistir em fazer uma academia, por exemplo, para cuidar da saúde sendo que você é um conferencista que viaja todos os dias da semana", exemplifica o consultor. Neste caso, o melhor é buscar uma atividade que proporcione bem-estar dentro dos dias e horários disponíveis, mesmo que estes sejam os mais improváveis. (Leia mais sobre o tema no link Esporte Alternativo)
Foi assim que aconteceu com o coordenador de Marketing da TecnoWorld, André Ardivino, de 23 anos. Enquanto sua preocupação estava só no trabalho, ficava cada vez mais difícil dar atenção aos familiares, amigos e até mesmo a si próprio. Cansado, estressado e com a saúde em baixa, foi então que ele decidiu dar um basta nesta situação e abrir mão de parte do tempo da agenda para dedicar-se a uma atividade física.
Após nove meses praticando kung-fu, ele considera a mudança exponecial. "Percebi uma melhora em minha concentração e em meu equilíbrio emocional. Me sinto menos estressado e mais paciente em todos os aspectos. Até minha alimentação melhorou", revela. "A verdade é, que quando você começa a se dedicar a um dos pontos que fazem parte de sua vida, de uma forma geral, os outros acabam sendo influenciados e tudo melhora. Passa a funcionar em conjunto", diz.
Espaço para relacionamentos
Até bem pouco tempo, acrescenta Codo, muitas empresas proibiam o relacionamento entre funcionários. No entanto, com a correria do dia-a-dia e com o tempo cada vez mais curto para dedicar-se à afetividade, quase que inevitavelmente os relacionamentos passaram a invadir o ambiente de trabalho, algo que em sua visão, pode ser considerado positivo.
"É uma nova forma de encarar o trabalho e as emoções", diz. Em sua visão, é claro que ainda há uma série de preconceitos, especialmente por parte das empresas, mas o bom profissional certamente não irá deixar de trabalhar para ficar `namorando´, como pregam os radicais. Muito pelo contrário, pode ser que este fator funcione como propulsor para que ele apresente melhores resultados, já que não precisará abandonar suas atividades correndo pra viver sua outra identidade, no caso, a vida pessoal.
Papel das empresas
As empresas possuem papel fundamental neste novo modelo de organização. Elas podem auxiliar para que os profissionais consigam ter uma qualidade de vida melhor, render no trabalho contando com um ambiente profissional agradável. "Com a nova organização do trabalho, é inevitável que haja uma fusão dos papéis", diz o psicólogo. Algumas empresas, em sua opinião, já têm visto o quanto essa integração é necessária, enquanto outras ainda estão de olho no passado.
"As mais modernas já levam os filhos dos funcionários para conhecer a "firma da mamãe e do papai" aos sábados, buscando uma aproximação. Outras, já permitem que seus funcionários se relacionem, e existem aquelas empresas que investem nos homeworkers, profissionais que trabalham de sua casa e nem por isso têm rendimento inferior em relação aos que estão fechados nos escritórios", afirma Codo.
Para ele, as empresas que ainda não entenderam este novo modelo precisam assimilar que o espaço doméstico não só colide com o profissional, mas também pode agregar valores importantes trazendo bons resultados quando trabalham em sinergia. "Quanto maior for a relação de promiscuídade do trabalho com a vida pessoal melhores serão os resultados", encerra o psicólogo.
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