domingo, 22 de março de 2009

O herói da bolsa
Pesquisa exclusiva feita pela TNS InterScience em parceria com a DINHEIRO mostra o perfil do novo investidor brasileiro e como ele consegue driblar a crise

ANA CLARA COSTA


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MACEDO COMPROU PETROBRAS A R$ 45 E AGORA PRECISA ACALMAR O URSO

ELE ACREDITOU. FEZ POUpança, mas se cansou da velha caderneta e do CDB e tentou conhecer melhor o mercado de ações. No começo, levou alguns tombos típicos de principiantes, mas, com o tempo, aprendeu a lição e viu que a bolsa subia, subia, subia em um céu que parecia não ter fim. Todos diziam a ele que o Brasil tinha finalmente entrado nos eixos. E ele acreditou novamente. Mas o conto de fadas teve data e hora para acabar e levou para baixo uma boa parte da rentabilidade das quase 500 mil pessoas físicas que aplicavam na BM&FBovespa em outubro de 2008, mês em que o Ibovespa ficou abaixo dos 30 mil pontos. Apesar do baque, ele continuou ali, firme e forte, engolindo a seco cada real que escapava do preço de suas ações. Esse investidor - que nasceu eufórico, quebrou a cabeça, ganhou muito e também se frustrou - é aquele que segurou suas ações e não irá vendê-las. Acredita em uma recuperação brasileira, está comprando na baixa e é ciente do risco que corre. Otimista, mas sensato. Conservador, mas com uma pequena cadência arrojada. Este é o perfil do novo investidor brasileiro, traçado em uma pesquisa exclusiva elaborada pela DINHEIRO e TNS InterScience. Por meio da metodologia quantitativa, foram ouvidos 210 investidores residentes em São Paulo e no Rio de Janeiro até dezembro do ano passado. E pelo menos uma constatação pode surpreender os mais pessimistas em relação à atual crise financeira: este aplicador está tranquilo e aguardando o temporal passar. E, enquanto a tormenta não passa, esse investidor aumenta sua carteira de ações.

A RENDA MÉDIA DOS INVESTIDORES É DE R$ 8,2 MIL SENDO QUE 66% TÊM RENDIMENTO MAIOR

Comprar na baixa é um dos conselhos básicos de investimentos. Mas nem sempre é fácil segui-lo. A tendência, segundo a disciplina de finanças comportamentais, é o investidor demorar para aceitar que seu patrimônio está se desvanecendo. Mas quando o faz, em um ato súbito, acaba realizando o prejuízo. Este, no entanto, não foi o resultado apurado na pesquisa. Ela revela, por exemplo, que 69% dos investidores brasileiros mantiveram suas carteiras após a grande queda de outubro passado. Dos que venderam suas ações, 31% afirmam não ter sofrido prejuízos, já que a bolsa estava ainda em um patamar superior ao do início de seus investimentos. Dos que realizaram lucro antes da queda (cerca de 39%), apenas 7% o fizeram quando a bolsa estava acima de 70 mil pontos. E 28%, quando o Ibovespa marcava entre 60 mil e 70 mil. "Foi importante para os investidores, principalmente para os que nunca tinham visto uma queda tão grande. É um aprendizado que eles levarão para o longo prazo", afirma Rogério Karp, da Ágora Corretora. Segundo ele, a resposta dos próprios clientes da Ágora corrobora o comportamento mais sereno do investidor. "Eles se preocuparam no início, mas logo perceberam que se tratava de uma fase e que as chances de recuperação são inegáveis. São pessoas com visão de longo prazo, bem diferentes dos jogadores que havia na bolsa nos anos 80", diz. O empresário paulistano Marcelo Macedo, 33 anos, investe na bolsa há dez anos. Sempre optou por diversificar seu risco entre papéis, fundos de ações, renda fixa e imóveis. No início, chegou a perder 90% do que havia investido quando as ações da GloboCabo S.A. praticamente viraram pó, após uma reorganização societária. A partir de então, investiu só em bluechips. Cliente da Hedging Griffo, ele também colocou parte do seu capital no Fundo Verde, quando este ainda estava aberto. Em cinco anos no fundo, conseguiu dinheiro suficiente para comprar sua atual residência, um luxuoso apartamento em São Paulo. Usiminas, Petrobras, Vale, Bradesco e Banco do Brasil são as escolhas de Macedo. E, mesmo tendo visto sua carteira se desvalorizar dia após dia, ele não se desanima. "Comprei Petrobras por R$ 45, então ainda estou no prejuízo. Mas isso não me afeta. Continuo com meus papéis. E penso na minha aposentadoria daqui a 30 anos. Sei que a bolsa vai se recuperar", diz, confiante. O ano de 2009, para ele, será o ano de ir às compras. "Quem entrar agora vai sorrir muito quando ela voltar aos níveis que estava antes, assim como já aconteceu em tantas outras ocasiões. Alguém lembra onde estava a bolsa em 2002?", questiona, relembrando a queda ocorrida durante as eleições presidenciais daquele ano.

INFOGRAFIA: ANDERSON CATTAI
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Assim como Macedo, 29% dos investidores entrevistados na pesquisa também comprarão mais papéis este ano, sendo que 27% do total já havia feito novas compras nos últimos seis meses. Os que responderam que não reinvestirão este ano ainda são maioria (41%). Outro que aproveita os preços baixos para fazer novas compras é o empresário carioca Rafael Coletta, 32 anos. Dono de uma factoring, ele começou a investir há sete anos e também perdeu muito no início.
FOTOMONTAGEM: TOLLER SOBRE FOTO DE PAULO JARES
COLETTA, O OUSADO: investiu em opções, perdeu R$ 200 mil e mudou a estratégia

"Resolvi operar opções e perdi quase R$ 200 mil em dois anos", relembra. O baque o estimulou a mudar de estratégia. Agora, o empresário tem uma carteira de longo prazo somente com bluechips, como Usiminas, Petrobras e Vale, e utiliza os dividendos para fazer novas compras. Também realiza venda coberta de opções, operação considerada de baixo risco, para aumentar seu número de ações. "A bolsa não é um cassino como o que eu joguei um dia", diz. Coletta possui 40% de seu patrimônio em ações, mas ainda assim se considera conservador. "Eu não realizo lucro e só realizarei dentro de 10, 15 anos. Isso é ser conservador", pondera.

A resposta de Coletta corresponde à autoavaliação que os investidores fizeram durante a pesquisa - 44% deles se diziam conservadores na hora de investir. Somente 34% dos investidores, no entanto, afirmaram ter 10% ou menos de seu patrimônio aplicado na bolsa. "Esse ponto me chamou bastante a atenção, pois muitos estão convictos de que investir no longo prazo é a mesma coisa que ser conservador", diz Felipe Menezes, diretor da TNS InterScience e coordenador da pesquisa. Outro ponto que une a maioria dos novos investidores é a confiança nas ações de primeira linha, mesmo após a crise. Muitos migraram das small e middle caps para os papéis de maior liquidez na bolsa. De acordo com a pesquisa, se antes apenas 44% dos investidores aplicavam somente nas ações mais negociadas, agora esse numero subiu para 79%. Macedo é um dos que afirmam que jamais voltarão a investir em papéis com baixa liquidez. "Às vezes meus gestores até recomendam alguns, mas eu não compro", diz.
FABRIZIA GRANATIERI/AG. ISTOÉ "Para uma geração que só conhecia o mercado em alta, quem ficou está fortalecido"
Mauricio Bastter

Investir em blue chips, porém, também não é sinônimo de risco zero. E empresas com menor liquidez também estão longe de ser as vilãs do mercado. Afinal, toda blue chip já foi um dia uma small cap. Mas o investidor parece não ligar. O que ele busca mesmo é estabilidade e rentabilidade, se possível, ao mesmo tempo. "Trata-se de uma geração que só conhecia a alta. Alguns ficaram na esperança da recuperação rápida, que não aconteceu. Quem sobreviveu vai sobreviver mais forte", afirma Mauricio "Bastter" Issa, o médico que virou consultor financeiro.

INFOGRAFIA: ANDERSON CATTAI
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Se o novo investidor brasileiro está hoje mais consciente, também está mais confiante a ponto de preferir administrar sozinho sua carteira de ações, deixando um pouco de lado os fundos. Segundo a pesquisa, 47% dos investidores compram ações, mas apenas 37% investem em fundos de ações. "Tem quem gerencie a carteira porque gosta. Mas era fácil quando a bolsa estava em alta", pondera William Eid Jr., professor da FGV. "Agora é que veremos o que é um bom investidor. Eu ainda acho melhor optar por um fundo de ações bem gerido, com pessoas que estudam para isso", diz. Para Eid, o investidor que aplica sozinho acaba temendo o mercado e só opta por blue chips, o que acarreta rendimentos sempre medianos.

O comportamento tão ponderado, que prenuncia uma maturidade maior no perfil do pequeno investidor, pode ser deixado de lado quando a bolsa voltar a subir. Pelo menos é o que diz a psicóloga Vera Rita de Melo Ferreira, que comanda um grupo de pesquisa sobre psicologia econômica: o comportamento eufórico nas aplicações pode voltar ao cotidiano dos investidores ao mesmo tempo que a bolsa voltar a subir com mais vigor. "É parecido com as pesquisas de dezembro que perguntam ao consumidor o que ele fará com o décimo terceiro. Ele sempre diz que vai poupar, mas em janeiro está todo endividado", diz. A necessidade de satisfação imediata é a principal culpada por tal comportamento. "Somos dominados pelo emocional. Se investir demais na bolsa acalma essa ânsia, ele vai voltar a fazê-lo quando ela disparar, o que é pior", explica, antes de fazer uma advertência. "Enquanto o ser humano não conseguir controlar essa vontade de ganhar dinheiro rápido, ele continuará perdendo na bolsa", afirma Vera. O novo investidor parece ter aprendido a lição. Mas será para sempre?

http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/596/artigo127732-2.htm

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